Dama do teatro é eleita para a cadeira 17 e Gilberto Gil disputa a de n° 12, num processo que torna a Academia Brasileira de Letras mais próxima do grande público


Eleição aconteceu nesta quinta-feira (4), sem a presença da atriz. Atriz foi eleita por 32 dos 34 acadêmicos — 2 votos foram brancos.


RIO — A nova ocupante da cadeira nº 17 da Academia Brasileira de Letras dispensa apresentações. Vencedora dos mais importantes prêmios nacionais e internacionais como atriz, vencedora no Festival de Berlim e única brasileira indicada ao Oscar (por "Central do Brasil"), Fernanda Montenegro foi eleita na tarde desta quinta-feira (4), por 32 votos (duas abstenções e um nulo), em cerimônia no Petit Trianon. A votação acabou sendo uma mera formalidade, já que a Grande Dama do Teatro era a única candidata para a vaga — ninguém ousou enfrentá-la. Aos 92 anos de idade e 76 de profissão, ela assume o assento que tem como patrono Hipólito da Costa e que teve como último ocupante o diplomata e escritor Affonso Arinos de Mello Franco, morto em março de 2020.


Lembro que cruzei com Affonso Arinos algumas vezes, uma figura referecial. Ele me parava e dizia: "Fernanda, escreva um livro e entre na Academia" —  diz a nova imortal, em entrevista ao GLOBO. — Eu respondia: "Mas eu? Eu sou só uma atriz!" Agora veja esse milagre: a Academia me aceita e ele me antecede. Vai explicar um fenômeno desses.
Aguardada desde agosto, quando a atriz oficializou sua candidatura, a eleição colocou a ABL no centro dos holofotes. A figura de Fernanda ultrapassa o mundo da literatura, é conhecida e admirada por um público amplo, do olimpo teatral à cultura de massas das telenovelas. Não há dúvidas de que a instituição cujo próprio fundador Machado de Assis um dia chamou de “torre de marfim” se tornou um tantinho mais pop com a presença luminosa da artista.


E deverá ficar ainda mais no próximo dia 11, com o provável ingresso de outro ícone da cultura popular entre o quadro de imortais. Gilberto Gil é favoritíssimo à cadeira nº 12, a qual disputa com o poeta Salgado Maranhão. Como ministro da cultura entre 2003 e 2008, o cantor e compositor trouxe seu star power para o cargo e atraiu para pasta uma atenção maior do que a usual — quer campanha internacional melhor do que Gil cantando “Toda menina baiana” na ONU?


— Acho que tanto o Gil como a Fernanda serão capazes de dar à Academia a visibilidade que ela merece, e que andou diminuindo com o tempo — diz o escritor e acadêmico Paulo Coelho, outra figura pop da casa. — Não é só uma questão de visibilidade, mas de competência. Ambos são expoentes em suas áreas, com um longo trabalho, baseado em coerencia e qualidade.


Paulo Coelho: ingresso de Fernanda e Gil é 'sopro de vida'


Coelho é o autor brasileiro mais vendido no planeta, com 210 milhões de exemplares, e traduzido para mais de 70 línguas em 150 países. Sua eleição em 2012, porém, foi muito mais contestada do que a de Fernanda, inclusive dentro da própria academia — o "mago" venceu o sociólogo Hélio Jaguaribe por 22 votos a 15. Sinal de que os tempos mudaram? Em todo caso, o ocupante da cadeira nº 21 acredita que essa abertura da casa para a cultura popular acontece em boa hora.

— Em um momento em que a cultura vem sendo atacada, ignorada por um governo que não faz nada além de tentar diminuir sua importância, onde a secretaria de cultura se transformou em um órgão manipulador, felizmente sem nenhum apoio da sociedade, é um sopro de vida ver Gil e Fernanda tendo mais uma vez o reconhecimento merecido.
Amigo próximo dos acadêmicos e conhecedor dos bastidores da casa, o editor José Mario Pereira, da Topbooks, vê a chegada de Fernanda como um “gol de placa” da ABL.
— Vai reforçar o status cultural da casa e ampliar o interesse do público leigo pela casa — diz Pereira.



Por O GLOBO
Redaçao Rádio domm