Especialista ouvida pelo g1 avalia que menção a carvão, por exemplo, é positiva, mas ainda há falta de detalhes sobre como atingir as metas necessárias para que aumento da temperatura do planeta fique abaixo de 2ºC. Próxima conferência será daqui a um ano, no Egito.



Um rascunho de um acordo da COP26, a conferência climática das Nações Unidas que está sendo realizada em Glasgow, foi divulgado na manhã desta quarta (10).

A versão final do documento ainda está sendo negociada por representantes dos quase 200 países presentes na conferência, que vai até sexta (12).
De forma geral, o rascunho traz avanços pontuais, mas não apresenta detalhes sobre como atingir metas necessárias para que o aumento da temperatura do planeta seja menor que 2ºC até 2100 – de preferência não ultrapassando 1,5ºC, conforme o Acordo de Paris. Desde a era pré-industrial até agora, a temperatura da Terra já subiu 1,1ºC.
O texto também pede aos países que apresentem promessas melhoradas no próximo ano para combater as mudanças climáticas, mas não confirma se isso se tornará um requisito anual. É possível que essa decisão fique para a COP27, que será realizada daqui a um ano no Egito.


  • Entenda, abaixo, os principais pontos do rascunho:

Avanços


Para Fernanda Carvalho, gerente global de políticas de clima e energia da WWF Internacional, o documento tem pontos positivos. Um deles, por exemplo, é a menção à redução de uso do carvão e de outros combustíveis fósseis.
O texto pede aos países que acelerem os esforços para parar a queima de carvão e eliminar, gradualmente, os subsídios aos combustíveis fósseis – visando diretamente, além do carvão, o petróleo e o gás. Não há, entretanto, uma data definida para essa eliminação.

"Isso é importante, porque é a primeira vez que vemos isso num rascunho, não sabemos se vai ficar [na versão final]. Se ficasse, seria muito importante. Estão falando da questão das soluções baseadas em natureza também", pondera.

O texto menciona, ainda, a necessidade de reduzir as emissões em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2010 e atingir “zero líquido” em meados do século. Isso exige, por exemplo, que os países joguem na atmosfera apenas a quantidade de gases de efeito estufa que possa ser absorvida novamente por meios naturais ou artificiais.



Para isso, o rascunho pede aos países que "revisitem e fortaleçam as metas de 2030 em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, conforme necessário, para se alinhar com a meta de temperatura do Acordo de Paris até o final de 2022".

As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) ou são planos nacionais não vinculativos (sem obrigação legal) que destacam ações para reduções de emissões, políticas e medidas que os países pretendem implementar em resposta às mudanças climáticas. Elas são renovadas a cada 5 anos desde o Acordo de Paris, em 2015.

"Eles chamam por uma revisão das NDCs – dos compromissos das metas de 2030. A gente sabe que as metas de 2030 que estão colocadas não vão levar a gente para 1,5ºC de aquecimento – vão levar para acima de 2ºC, o que é perigoso. Era o objetivo da convenção, então isso é positivo", aponta Carvalho.


A ideia é que os países apresentem essas revisões daqui a um ano, na COP27, no Egito, mas não está claro se isso deverá ser feito anualmente a partir de agora.
Fernanda Carvalho diz que o texto é um bom começo, mas ainda está no mínimo necessário. Mesmo assim, é preciso garantir que esse mínimo entre na versão final do documento, afirma.

"A gente tem que garantir que o mínimo fique e, idealmente, melhore bastante", afirma. "Tem alguns pontos positivos, mas falta muito para a gente poder responder pro que precisa ser feito e o que o povo está nas ruas dizendo".

O que falta
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, avalia, entretanto, que, apesar de falar de combustíveis fósseis, a importância dada a esses temas no texto é pouca.

"Todas essas importâncias estão desidratadas. O rascunho fala de combustível fóssil, principalmente carvão. É importante falar, mas não adianta parar na citação. Não tem meta, estratégia, como isso vai acontecer, qual a data", aponta.
"Por exemplo: o reconhecimento de perdas e danos, que os países ricos têm que investir dinheiro para remediar os prejuízos nos países mais vulneráveis, é algo que não tinha até agora. Não tínhamos textos oficiais, entrou. Mas tudo muito fraco, muito desidratado", opina.
Para Fernanda Carvalho, da WWF, faltam alguns pontos: um deles é que as promessas feitas pelos países até agora – como, no caso do Brasil, de reduzir o desmatamento e a emissão de metano – entrem nas NDCs.

Isso porque as promessas não são vinculantes, ou seja, os países não são obrigados a cumpri-las. As NDCs, por outro lado, são vinculantes, mas, se forem descumpridas, também não há nenhum mecanismo de punição legal.

"Eles mencionam [redução de emissões até 2030], mas não falam que as NDCs têm que ter isso como referência – essa que é a pegadinha. Ficou uma coisa meio solta, e a gente queria uma coisa mais firme, para botar o mundo na rota que precisa", avalia Fernanda Carvalho.

"A gente esperava que essa decisão dissesse para os países que, olha, já que vocês estão se comprometendo a isso, que entre nas NDCs, para a gente poder acompanhar o progresso desses compromissos", pontua.

Ela lembra que, apesar de não haver um mecanismo de punição legal, existem consequências políticas e financeiras para quem sai da linha. Um exemplo é a Europa, que criou uma taxa para importação de produtos feitos em regiões com altas emissões de carbono.

"Se você tem essa política nacionalmente, você pode exigir internacionalmente que os produtos que você importa cumpram os mesmos requisitos. Então o próprio mercado é um sistema de punição – que não é jurídica, mas é o pior de todos, digamos", avalia Fernanda Carvalho.
Um outro aspecto, ainda, é o financiamento – o rascunho reconhece que é importante financiar países mais pobres para se adaptarem às mudanças climáticas e aumentar a quantidade dada a eles, mas não traz novos números para doações, por exemplo.

"Essa questão de 2022, de melhorar as metas climáticas, tem uma outra situação que é garantir o pacote de financiamento maior do [que] os 100 bilhões. Isso é bacana, mas eles não estão garantindo nem dinheiro de agora, imagina maior ainda daqui cinco anos. É difícil de acreditar", afirma Astrini.

"É melhor ter isso do que não ter nada, mas é muito pouco perto do que precisamos e do que tínhamos de expectativa para a conferência“, conclui.

Em 2009, países ricos prometeram dar aos países mais pobres US$ 100 bilhões por ano (cerca de R$ 550 bilhões) em financiamento climático até 2020. A promessa ainda não foi cumprida; a expectativa é de que seja atendida até 2023. Mesmo assim, o montante não é mais suficiente.

˜E a gente sabe que isso é uma condição fundamental para os outros países, principalmente os em desenvolvimento, aumentarem a ambição [climática]", lembra Fernanda Carvalho. "A gente precisa que saia dessa COP um pacote que tenha um equilíbrio entre todos os elementos – de mitigação, adaptação, financiamento, perdas e danos", avalia.

Reações de ambientalistas

O grupo de campanha ambiental Greenpeace considerou o rascunho uma resposta inadequada à crise climática, chamando-o de "um pedido educado que os países talvez, possivelmente, façam mais no próximo ano".

O grupo de pesquisa Climate Action Tracker (CAT, na sigla em inglês) disse, na terça (9), que, se todas as promessas apresentadas até agora para reduzir os gases de efeito estufa até 2030 forem cumpridas, a temperatura da Terra ainda deve subir 2,4°C em relação aos níveis pré-industriais até 2100. Hoje, essa trajetória está rumo aos 2,7ºC de aquecimento.




Por g1

Redação Rádio domm