Numa comédia de erros, o grande lance é justamente o engano que gera um conflito dentro do qual acontecem mais enganos ainda. Nesse tipo de narrativa, o tempo das piadas e a forma como os acontecimentos são entrelaçados são detalhes muito importantes. Juntos e Enrolados demora a apresentar o seu equívoco que serve de gatilho. Isso acontece no último terço do longa-metragem dirigido por Eduardo Vaisman e Rodrigo Van Der Put. Assim sendo, a fase de apresentação toma uma excessiva parcela do filme. Nela, conhecemos o casal formado por Júlio (Rafael Portugal) e Daiana (Cacau Protásio), exatamente quando eles estão chegando ao cartório civil para consumar oficialmente o casamento. Antes da assinatura, o roteiro a cargo de Sabrina Garcia, Cláudio Torres Gonzaga e Rodrigo Goulart utiliza o bom e velho “um ano atrás”flashback explicativo de como eles se conheceram. Mas, ora, por que o filme não começa justamente mostrando o marco zero do relacionamento, optando por essa pequena volta no tempo? Levando em consideração que o flashback não é uma ferramenta reutilizada mais para frente, pode-se entender que os autores pretendem engajar a plateia imediatamente com um esquete em forma de prólogo, no qual Rafael e Cacau esbanjam seus talentos diante de uma estrutura burocrática que ameaça a mágica do momento de união. Ou seja, é um abre-alas para o resto.



Pobres (mas não estereotipados, ponto positivo), Júlio e Daiana não têm dinheiro para um festão, mas colocam a ocasião como prioridade para um futuro próximo. Temos pouco da rotina matrimonial, pois Juntos e Enrolados prefere logo depois da apresentação mostrar um clipe com os protagonistas guardando dinheiro para a comemoração com parentes e amigos. Até aí já sabemos que Júlio é bombeiro hidráulico e que Daiana é bombeira militar. E, inexplicavelmente, são poucos os momentos em que alguém se refere a essa diferença significativa como gatilho do complexo de inferioridade dele. Apenas adiante, quando desafiado pelo rival fardado, o protagonista masculino deixa escapar um desconforto aliado à sua covardia. Porém, estamos falando de características humanas que não são trabalhadas pelo roteiro como algo fundamental. Assim sendo, quando os realizadores querem desenhar uma curva dramática em que o homem vence medos e fraquezas, o resultado tem pouquíssima força, pois esse traço de personalidade não foi devidamente sinalizado anteriormente. Aliás, o mesmo se aplica a Diana, acusada de ser mandona. Só que em nenhum momento prévio a trama enfatiza esse traço como algo essencial, somente depois da queixa do marido revoltado com a reviravolta. Falta atenção ao desenvolvimento dos personagens nesta comédia repleta de talentos maiúsculos.


Rafael Portugal e Cacau Protásio apresentam suas capacidades de sempre na construção, respectivamente, de um homem mais passivo/pacato e de uma mulher mais ativa/imperativa. Essa inversão de um lugar-comum (homem ativo/mulher passiva) é bem-vinda, embora não ganhe atenção merecida por parte da direção. O cenário está sendo preparado para o momento da festa do casório que acontecerá no clube em que eles se conheceram. Aqui cabe um pequeno parêntese. Existe uma rixa entre Júlio e o porteiro do clube bacana, Zé (Matheus Ceará). Além de não fazer qualquer apontamento mais ácido sobre essa empáfia do trabalhador que age para colocar outro membro da classe trabalhadora “no seu devido lugar”, Eduardo Vaisman e Rodrigo Van Der Put não conseguem fazer as interações entre eles gerarem o efeito cômico evidentemente desejado. E isso se deve ao fato de Matheus Ceará passar um pouquinho do ponto quanto ao tom do personagem e ao roteiro colocar em sua boca expressões repetidas que se desgastam rápido e perdem eficácia. Os dois que se destacam do elenco de apoio são os hilários Evelyn Castro e Fábio de Luca, os melhores amigos/escudeiros dos noivos. Ele está excelente como o padrinho homossexual do noivo (novamente brincando com uma lógica surrada, a do melhor amigo gay da mulher); já ela é uma cerimonialista estressada e ansiosa pelo salão, alguém que faria uma belíssima dupla com o personagem do saudoso Paulo Gustavo em Minha Vida em Marte (2018). 

O erro que gera outros erros apenas acontece, de fato, durante a festa. Ela acha que ele a traiu; ele não tem coragem de desmentir. E a fuzarca está armada. O conflito poderia ser facilmente impedido? Claro. E o filme tem consciência disso (o amigo pergunta “por que você não disse simplesmente que estava fazendo uma surpresa?”)mas essa noção acaba valendo pouco. Reviravoltas repentinas, novos personagens desempenhando papeis importantes, a festa de casamento se transformando numa celebração de divórcio, tudo isso poderia ser engraçado se os cineastas prestassem atenção aos elementos que consideram essenciais para o conflito: Júlio e Daiana se acusam de algo que praticamente não tínhamos visto até o rompimento; as rixas que vêm à tona motivadas pela raiva sequer foram ensaiadas antes da “casa cair”; a ex-namorada dele (Emanuelle Araújo) e o pretendente dela (Marcos Pasquim, que parece ter saído de um filme do norte-americano Wes Anderson) são apenas obstáculos, nada mais. Algumas piadas são levemente engraçadas, outras são boicotadas pela falta de timming da montagem e existem as são tão fraquinhas que provavelmente nem provoquem aqueles sorrisinhos sutis de canto de boca. E, para fechar, em meio à confusão que tem lá bons momentos, mas que também acaba sendo repetitiva, os talentos de Tony Tornado, Leandro Ramos, Berta Loran e Fafy Siqueira são postos a serviço de simples rubricas. Pior é o que acontece com Neusa Borges. Chega ser desrespeitoso escalar uma atriz de seu calibre para que ela entre muda e saia calada do filme.